Ele me promete um livro que não se encontra mais em nenhuma livraria ou sebo, mas porque tem uma cópia sobrando na estante. Passa todo o período em que fatalmente nos encontraremos me prometendo o presente, até que a data expira e não nos vemos mais com a mesma frequência. Mas num dado evento, nos encontramos e ele diz que finalmente dará a cópia do livro que me prometeu, anota meu endereço e telefone, diz que vai passar na minha casa pra me dar o presente e que me liga durante a semana para combinar.
E ele de fato liga! Pede pra que eu explique como faz pra chegar na minha casa para não se perder. Eu explico, e sabendo que logo ele tocará o interfone, troco de roupa - afinal, recebê-lo de pijamas seria um tanto quanto vexatório.
Assisto TV enquanto ele não chega, está passando Razão e Sensibilidade pela enésima vez no canal A&E Mundo, e eu estou vendo pela enésima vez tb, confortavelmente, de calça jeans, uma blusa cacharrel, um casaco de moleton levemente velho, meias amarelas com listras pretas e chinelos. Claro, eu não pretendo sair, e além do mais, eu adoro usar chinelo com meias dentro de casa.
E eis que o interfone toca. É ele. Saio à porta, ele está de pé, todo simpatia, todo sorrisos, tão vermelho quanto eu, não por vergonha, mas pelo tempo frio que queima as bochechas. Me abraça e me beija a face, diz que finalmente vai me dar o livro, que está na sua mão esquerda. Nota que é sexta à noite, e que eu não demonstro sinais de quem vai sair, por isso me convida para jantar fora: "vamos numa cantina italiana"!
Se fosse simplesmente para colocar o tênis e sair, ótimo. Mas eu preciso me arrumar, preciso estar à altura do evento, afinal ele está bem vestido e perfumado, e eu não quero parecer maltrapilha apesar de adorar andar desse jeito.
O convido para entrar enquanto me arrumo, e ele fica na sala assistindo o resto de Razão e Sensibilidade na TV, inclusive me diz que Hugh Laurie, o Dr. House da série da Universal, é coadjuvante do filme e que ele é muito amigo da Emma Thompson. Eu digo, "nossa, eu nem imaginava, que legal, é mesmo?", achando aquela nova-intimidade um tanto estranha e me retiro.
Fico pronta em 15 minutos, saio do quarto pensando que a linha preta que fiz com lápis na pálpebra inferior direita ficou torta, mas ele se levanta do sofá, eu desligo a tv, tranco a porta e vamos para o tal restaurante.
Fazemos nosso pedido, peço gnocchi, afinal faz muito tempo que não como isso, e ele pede espaguete à putanesca. Pedimos vinho e conversamos sobre amenidades, carreiras, casualidades. Os pratos chegam, o que não nos impede de continuar conversando. E quando nos damos conta, já estamos ali há duas horas e quarenta e cinco minutos conversando, um tanto tontos e mais vermelhos, dessa vez pelo vinho.
Após ouvir uma piada, pouso minha mão sobre a dele, ele pousa sua taça de vinho sobre a mesa e me encara. Clima no ar. Frio na barriga. Será o minuto que antecede o beijo? Ele aproxima seu rosto ao meu. Estamos quase de lábios colados.
Mas eu não consigo continuar escrevendo esse parágrafo. Simplesmente travo. Enquanto vc lê estas linhas, saiba: eu não consigo continuar a cena além do parágrafo acima.
Tudo porque soube que, tanto quanto eu, ele também gosta de homens, e por isso minha cabeça não consegue fantasiar mais que isso. Mas quem sabe não sejamos amigos, quem sabe ele não me ajude a escolher o homem apropriado para mim? Todos os meus amigos gays têm um ótimo gosto para isso, por que não ele també?
Eu sei, isso é um tanto quanto frustrante. Era bom demais para ser verdade! E de qualquer forma, eu sempre vou olhar pra ele e pensar feito caminhoneiro, "ô lá em casa"...