sexta-feira, maio 09, 2008

Duas cenas

Hoje, no caminho de volta da pós, deparei-me com duas cenas no metrô que me chamaram a atenção, e foram mais ou menos assim:

Cena #1 - Estação Marechal Deodoro
Entra uma senhorinha negra, arcada, cansada... costura seu caminho por entre alguns jovens e conquista seu assento, com indicação preferencial. Fica de frente para mim e eu posso observar seus cabelos grisalhos com faixas brancas presos num coque. O olhar é cansado, ela encosta no banco. As mãos, assim como o rosto, são sulcados pelo tempo. Ela fecha os olhos, como quem dorme em paz. O metrô pára na Estação Anhangabaú, ela acorda e fica com o olhar baixo. Entra um homem, que se prostra à minha frente, segurando na barra acima do meu assento. Estico o pescoço para os lados, não posso mais vê-la porque entrou mais gente no metrô. Olho para o chão, e para minha surpresa, posso ver suas sapatilhas caramelo, amaciadas pelo tempo de uso, porque devem ser confortáveis para longas caminhadas. Até que a Estação Sé se aproxima, eu me levanto e me preparo para descer. Dou uma última olhada para ela e a deixo com Deus. Desço do metrô...

Cena #2 - Estação Sé
Desço as escadas rolantes sem pressa. Vejo que o metrô já chegou na plataforma e que dá tempo de entrar no vagão, então corro um pouquinho e o alcanço. Apóio-me numa barra lateral (sou baixinha demais para segurar na barra de cima, é sempre desastroso quando tento me equilibrar lá) e olho para o lado. Uma criança dorme no colo do avô, que a afaga distraidamente. Fico presa à cena até a Estação Luz, quando o avô acorda o neto, que não quer abrir os olhos. Então ele começa a fazer cócegas no menino, que com algum custo se levanta. Ele olha para o próprio reflexo na janela do metrô, e o avô aponta para a imagem refletida do neto e diz: "olha só, um palhacinho!". As portas se abrem, e avô e neto saem de mãos dadas. Uma mulher, que também observava a cena, comenta rindo: "se fosse a vó já tava carregando no colo!", dou risada e ela desce na Estação Tiradentes. Continuo meu caminho sem nenhuma outra cena...

Duas cenas distintas. Nas duas, o amor presente.


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Now playing: Paul McCartney & WINGS - Country Dreamer
via FoxyTunes

6 comentários:

GiGi disse...

A doçura está em quem vê a ação ou em quem age? Talvez nos dois, né?
=)

Amanda Beatriz disse...

que lindo! metrô é um lugar meio mágico para mim. acho impressionante a quantidade de cenas como essas que a gente vê. Tem muito sentimento nos metrôs de São Paulo.
Beijos!
PS: Tem meme p/ vc fazer :P

md disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
c.h.i.c.o disse...

eu nunca andei muito de metrô em são paulo. nunca gostei. não há muito o que olhar... mas aí, quando se lê um post tão inspirado e bonito como esse, se percebe o quão rico pode ser uma simples viagem de uma estação a outra.

Carolina de Castro disse...

Vc fez poesia das mais bonitas.
Contemplar é o mais dificil nos dias atuais.
bjoos

Rosana disse...

Sua sensibilidade chega a ser tocante. Não sei se gostará da comparação, mas li o post com a mesma atenção e desprendimento com que leio os textos da J. K. Rowling, descrições que nos transportam à cena. Me passou pela cabeça agora como somos abençoados por podermos entrar na vida das pessoas dessa forma, um tipo de invasão de privacidade consentida. *risos*
Aposto que se falo isso na faculdade alguém já acharia motivos para criar revoluções na nossa legislação.
Aiaiai.... tô eu aqui viajando.
Parabéns pelo texto.
Bjinhos
;)

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